ANTC SE POSICIONA CONTRA "TREM DA ALEGRIA" NO TCU

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DA UNIÃO (ANTC) vem a público expor o seu posicionamento em relação à proposta de Anteprojeto de Lei resultante do Grupo de Trabalho constituído pela Ordem de Serviço CCG nº 1, de 10 de abril de 2015, Lei nº 10.356, de 27 de dezembro de 2001, inerentes à “carreira dos servidores” do quadro de pessoal do Tribunal de Contas da União, pelas razões de direito que passa a expor:

1. Em apertada síntese, a proposta de Anteprojeto de Lei pode ser assim traduzida:

 

i) transforma 200 cargos de natureza administrativa previstos nos artigos 5 e 20 da Lei nº 10.356, de 2001, de nível superior (Nutricionista, Bibliotecário, Analista de Sistemas, Programadores, Médicos, Enfermeiro, Psicólogos, etc), no cargo de natureza finalística de Auditor Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo, que passa dos atuais 1.576 cargos para 1.776;

ii) inclui nas atribuições do Auditor Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo as atividades de natureza eminentemente administrativa dos atuais 200 servidores administrativos de nível superior, o que desnatura o cargo finalístico de controle externo;

iii) possibilita que agentes concursados para o cargo eminentemente técnico de Auditor Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo possam desempenhar ato médico, inclusive para fins de perícia do regime próprio de previdência da União, sem prestar concurso específico para tal finalidade, bastando para tanto a mera manifestação de vontade do agente, enquanto o artigo 37, inciso XVI da Constituição prevê regras de acumulação completamente distintas para cargos técnicos e de profissionais de saúde com profissão regulamentada por lei;

iv) altera as atribuições de mais de 700 cargos administrativos de complexidade e responsabilidade de nível intermediário (‘Técnico Federal de Controle Externo-Área de Apoio Técnico e Administrativo’), que passam a congregar as mesmas atribuições de complexidade e responsabilidade de nível superior previstas para os atuais servidores ocupantes do cargo de natureza administrativa referido nos artigos 5º e 20 da Lei vigente;

v) altera o requisito de investidura de cerca de 700 cargos de ‘Técnico Federal de Controle Externo-Área de Apoio Técnico e Administrativo’ natureza administrativa, complexidade e responsabilidade de nível intermediário, passando a exigir diploma de conclusão de curso superior ou habilitação legal equivalente;

vi) nada dispõe sobre os cerca de 160 cargos de ‘Técnico Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo’, de natureza finalística de controle externo, cujos agentes foram concursados para o exercício das atribuições previstas no artigo 6º da Lei nº 10.356, de 2001;

2. A despeito dos esforços empreendidos pelas unidades administrativas do TCU, a proposta não tem como lograr êxito, pois certamente não passa pelo crivo do controle externo exercido pelo próprio TCU, tampouco pelo Supremo Tribunal Federal.

3. Para além dos casos flagrantes de provimento derivado que configuram o que se convencionou denominar popularmente de ‘trem da alegria’ - e assim é entendido pelo Poder Judiciário - a proposta, se fosse aprovada, acarretaria prejuízos danosos aos Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo por três aspectos preocupantes para classe, para os gestores jurisdicionados e para sociedade.

4. Primeiro, a ideia que visa ressuscitar formas de provimento derivado banidas pela Constituição de 1988 compromete a credibilidade do TCU, uma vez que no exercício do controle externo investidas dessa natureza são rechaçadas. Nesse sentido, a proposta demonstra grave descompasso entre as unidades administrativas do TCU e as decisões de controle externo resultantes das ações do Órgão de Instrução e dos Órgãos Deliberativos do Tribunal, o que é motivo de preocupação.

5. Segundo, ao desfigurar as atribuições finalísticas de controle externo do cargo de Auditor Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo, a medida compromete a independência profissional dos referidos agentes de Estados - que poderiam ser retirados de fiscalizações em curso e removidos para unidades administrativas por “interesse da Administração” -, o que será combatido pela ANTC em todas as instâncias de Poder. A independência do Auditor é a garantia que que o processo de controle externo será conduzido nos marcos da lei;

6. Terceiro, a proposta desnatura os pressupostos necessários para configurar atividade exclusivas de Estado, restrita a cargos que congregam atividades finalísticas, devendo-se observar as balizas dos artigos 169 e 247 da Constituição da República. Cite-se a Mensagem nº 1.140, por meio da qual o Presidente da República vetou dispositivos da Lei do Ministério Público da União que estendeu aos cargos que congregam atribuições de apoio técnico e administrativo tal condição. No mesmo sentido, se manifestaram o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União na ADI nº 5.128.

7. Em recente decisão do Juízo de 16ª Vara Cível em favor da ANTC, fica claro o entendimento da Justiça de que expressão “trem da alegria”, significa a efetivação de um grupo de pessoas na administração pública sem que tenham sido aprovadas em concurso público, tanto servindo para qualificar aqueles que ingressam na administração pública quanto aqueles que, nada obstante possuírem algum cargo, são deslocados para outro cargo sem a submissão a concurso público”.

8. Ao ponto que se chega, revela-se exótica a tentativa de estabelecer uma pretensa similitude – equivalência ou coincidência - entre as atribuições de natureza finalística do Auditor Federal de Controle Externo-Área de Controle Externo e as atribuições de natureza administrativa de Nutricionista, Bibliotecário, Analista de Sistemas, Programadores, Médicos, Enfermeiro, Psicólogos, etc, dentre outras congregadas no cargo genérico previsto no artigo 5º da Lei nº 10.356, de 2001.

9. Alegação nesse sentido tem o fim de acomodar a realidade tão distinta quanto inconfundível do quadro de pessoal do TCU na jurisprudência do STF assentada nas ADIs nºs 1.591; ADI nº 2.335, que reconhece a legitimidade do aproveitamento de servidores em cargos fruto de transformação quando há similitude - equivalência ou coincidência - entre denominação, natureza das atribuições e requisitos de investidura de cargos efetivos. Nas bases apresentadas no Anteprojeto aberto para discussão, a proposta não resiste ao crivo do STF.

10. Ao apreciar a ADI nº 231, em 1992, o STF assentou, em julgamento de mérito, os exatos termos de sua interpretação do artigo 37, inciso II, da Carta Magna, no tocante às formas de provimento derivado. Como exemplo da pacificação jurisprudencial a respeito, merece citação os Acórdãos referentes aos julgamentos das ADI nºs 248, 806, 837 e 3857. Em inúmeras outras decisões, o STF reafirmou a exigência constitucional do concurso público, declarando a inconstitucionalidade de leis que previam, como formas de provimento de cargo público, a transformação de cargo em outro de natureza distinta, com o traslado do seu ocupante (ADI nº 266), a ascensão (ADI nº 245-7), a transferência (ADI nº 1.329), a transposição (ADI nº 1.222), o acesso (ADI nº 951) e o aproveitamento (ADI nº 3.190)

11. Segundo a jurisprudência do STF assentada na ADI nº 266, embora, em princípio, admissível a “transposição” do servidor para cargo idêntico de mesma natureza em novo sistema de classificação, o mesmo não sucede com a chamada “transformação” que, visto implicar alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento, a depender da exigência de concurso público, inscrita no artigo 37, inciso II, da Constituição da República.  A proposta constante do Anteprojeto de Lei apresentado pelas unidades administrativas do TCU é caso típico de transformação inaceitável.

12. É indiscutível que não há qualquer similitude entre as distintas naturezas das atribuições e dos requisitos de investidura dos dois diferentes cargos previstos nos artigos 4º e 5º da Lei nº 10.356, de 2001, o primeiro de natureza finalística de controle externo, o segundo de natureza administrativa, inconfundíveis, portanto.

13. As distinções quanto à natureza da atribuição, denominação própria e requisitos de investidura foram tratadas no Mandado de Segurança nº 1005682-11.2015.4.01.3400 impetrado pela ANTC contra os termos do Edital do último concurso público realizado pelo TCU para seleção de Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo. Ao se debruçar sobre a matéria, o Juízo da 5ª Vara da Justiça Federal, Seção Judiciária do Distrito Federal, confirmou todos os argumentos da ANTC e concedeu, em 29/3/2016, a liminar nos seguintes termos:

“Com efeito, há flagrante ilegalidade das disposições do edital questionado no tocante à descrição incorreta das nomenclaturas das especialidades e atribuições relativas ao cargo ofertado no certame, uma vez que está em total descompasso com a Lei nº 10.356/2001 e Resolução TCU nº 154/2002, que dispõem sobre a carreira no Tribunal de Contas da União.
...
Portanto, acolho os embargos declaratórios para que esta decisão seja integrada na decisão recorrida, e retifico apenas a parte do dispositivo anterior da decisão que deferiu a liminar, para que passe a contar:
Ante o exposto, DEFIRO o PEDIDO LIMINAR, para determinar que os impetrados retifiquem o Edital nº 6/2015, para que conste de maneira clara e objetiva a nomenclatura correta ou denominação própria do cargo em disputa, de Auditor Federal de Controle Externo-Área Controle Externo, de acordo com o disposto no artigo 4º da lei 10.356/2001, com a alteração trazida pelo artigo 4º da Lei nº 11.950/2009, e atribuições respectivas, excluindo-se a especialidade profissional. A ré deverá fazer constar no edital as atribuições do cargo conforme previsto no art. 4º, caput, e 9º, caput, da lei mencionada, observadas aquelas descritas no art. 6º da Resolução TCU nº 154/2002, alterada pela Resolução TCU nº 227/2009.”

14. Para o Juízo da Justiça Federal, as unidades administrativas do TCU “não deveriam confundir as atividades e cargos pertencentes às categorias diversas, misturando finalidade finalistíca com atividade administrativa, alterando competências previstas na Constituição Federal e em lei específica”. Esse registro deixa evidente o preocupante descompasso entre as unidades administrativas do TCU com a arrojada missão institucional que a Constituição conferiu à Corte de Contas. Em Despacho que aceitou a ANTC em amicus curiae na ADI nº 5.128, o relator, Ministro Marco Aurélio, reconheceu que a reesreuturação do quadro de pessoal do Tribunal de Contas afeta direitos subjetivo dos gestores.

15. Por questão de justiça, é preciso registrar que não há dúvida para o TCU - pelo menos não havia até a manifestação do então Consultor Jurídico que atuou no Processo 010.357/2011-4 (peça eletrônica 15) - no sentido de que os ‘Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo’ possuem “obrigações e prerrogativas que lhe são próprias”, ao citar os artigos 86 e 87 Lei nº 8.443, de 1992, além de reafirmar o entendimento sobre a natureza distinta dos cargos administrativos (itens 35 a 41 do Parecer).

16. Diante disso, a ANTC reafirma, publicamente, a confiança no bom sendo e no compromisso inabalável da mais Alta Corte de Contas do País com a Constituição da República, que certamente pautarão  a análise jurídica do conteúdo do que hoje revela-se como constrangedora e inacreditável proposta lançada para discussão.

17. Não se pode acreditar - e a ANTC não acredita - que a mais Alta Instituição de Controle Externo do País, que representa o Brasil em organismos internacionais em matéria de controle externo, cuja fiscalização dos ‘Auditores Federais de Controle Externo-Área de Controle Externo’ descortinou um quadro dramático no plano das finanças públicas que levou ao impeachment de uma Presidente da República eleita com mais de 54 milhões de votos, possa sucumbir a pressões internas que resultem em ‘pedaladas constitucionais’, em inaceitável violação à regra constitucional do concurso público. Trata-se de regra que a todos obriga, a começar pelos órgãos de controle externo, os quais detêm a missão constitucional de fiscalizar a legalidade dos atos de pessoal, constituindo suas práticas um guia para todos os jurisdicionados, que certamente seguirão o mau exemplo que traz em sua essência elevado risco moral e fiscal

Brasília, 7 de outubro de 2016.


  ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES DE CONTROLE EXTERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL - ANTC


Fonte: Comunicação ANTC.

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